Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Amanhã

Hoje, sorvi cada pedaço da manhã como se fosse vinho barato daqueles que nos presenteiam um dia seguinte com uma cefaléia horrível e uma necessidade incontrolável de amnésia. Mas hoje, não há a cefaléia, nem a amnésia: sinto e lembro-me de tudo com uma clareza insuportável.

O calor e o amarelo-sol predominam nos pensamentos e até os mais acostumados a viver no inferno sentem uma tímida gota de suor escorrer-lhes a face.

No asfalto a temperatura é incalculável e é possível sentir o calor do magma presente no centro da terra.

Cada misero milímetro deste lugar traz a mente uma recordação diferente. Recordações aparecem nestas épocas de fim de tempo. O tempo está se acabando e nada faço para impedir que ele se vá. Ao longe, vejo o senhor das horas com seu sorriso sarcástico e o meu destino nas mãos a me acenar docemente.

Talvez não haja tempo para as despedidas necessárias e eu me vá com um sabor ácido de quem ainda não fez tudo o que deveria ou desejava. Ao mesmo tempo, vou-me com um cheiro doce de quem precisa voltar amanhã pois deixou um bolo no forno.

Tenho a incerteza de quantos dias demora amanhã pra chegar. Talvez meu bolo queime no forno antes. Amanhã é um dia cuja memória ainda não me dói e o desconhecido deste amanhã é um fruto de sabor intocado.

Ter certeza neste mundo de percepções nulas é presunção e deveria eu , embora muitas vezes não consiga, conviver bem com esta multidão de incertezas que me cerca por todos os lados.

Tantos planos para talvez nem acordar amanhã. Tanta importância a sentimentos que nada sei, além de que os senti. Não posso provar ao mundo as sensações que tenho antes de dormir, nem os olhos marejados de lagrimas ao observar um jardim irregular no meio do asfalto, tampouco os amores que sinto por alguém tão irreal quanto eu.

Em tempos de mudanças grandes, o espírito todo se contrai, procurando não sentir essas mudanças antes que elas realmente aconteçam.

O calor continua e só sei que tudo agora é uma preparação para um futuro sabido há cinco anos, mas que sempre pareceu distante demais para existir e agora, no entanto, se aproxima ferozmente.

Há cinco anos digo adeus a esta cidade como quem volta amanhã, e assim, sempre o fiz. Agora, digo adeus como quem não volta e, se assim será, não sei. Profundamente... não quero.

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