Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Ações

Cantei!
E meu canto disseminou-se no canto dos pássaros,
Espalhou-se com os pingos de chuva
Fazendo sorrir alguém do outro lado do planeta.

Chorei!
E as lágrimas queimaram minha face,
O chão batido de terra vermelha e
Por alguns instantes, a vida pode ser límpida.

Dancei!
Uma dança sem ritmo definido
Que encantou formigas desavisadas
E todo o movimento ficou explicado.

Vivi!
E a vida mostrou-se turrona,
Colocou pedras no caminho estreito,
Mas todas tinham beleza de valer a pena.

Olhei!
E por momentos infinitos todas as estrelas
Me sorriram e eram minhas. Apenas minhas.
Assim, a cor dos olhos teve porquê.

Viajei!
Por mundos distantes imaginários.
E monstros mostraram que não são tão maus,
Enquanto flores mostravam espinhos.

Sonhei!
Dias e noites inteiros na cama e fora dela.
E os sonhos viraram realidade com tato
Mesmo que essa fosse inventada.

Sorri!
E então, os dentes já não eram apenas dentes,
Tinham vida e secavam lágrimas e cresciam.
E os sorrisos tinham beleza de qualquer cor.

Amei!
E o amor ultrapassou paredes e ruas
Chegando até os seus ouvidos,
Virando amor multiplicado por dois.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

O (meu) desejo

Que o corpo contente-se com um arrepio
E a boca com um breve sorriso.
Que os sonhos sejam quentes
E existam mãos ao acordar.

Que dedos pesquisem corpos
Tal como cientista a cura do câncer.
Que os cabelos prefiram puxões
E carinhos doces logo depois.

Que os olhos encantem-se com um par
E esse par saiba dançar no mesmo ritmo.
Que os suspiros sejam de desejo
E um pouco de amor que existe.

Que todas as células estejam trêmulas
E esqueçam a função inicial.
Que a pele exale calor puro
E um pouco de pimenta com canela.

Que os poros escorram desejos
E que todo o resto seja desnecessário.
Que sejamos só eu e você
E que o mundo lá fora não importe.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Fisiologia da paixão

Olhei para ele e numa fração de segundo estava apaixonada. Perdidamente apaixonada, é bom deixar claro. Pisquei os olhos pra ter certeza disso. Era certo. Paixão certa. Preciso dele. Agora. Como eu vivi a vida inteira longe dele? Ele é meu número, dá pra notar isso? Nunca vi um nariz tão bonito em toda a minha vida. Olha o jeito como ele bebe a cerveja. E o jeito como gesticula enquanto conversa? Apaixonante! Olha lá, tem um dente meio tortinho e um corte de cabelo esquisito tão charmosamente lindos. Preciso falar com ele. Eu disse PRECISO! Falar? Falar nada, eu preciso é casar com ele. Será que se eu chegar pedindo em casamento ele vai ficar apavorado? Nada, vai achar que eu tenho um tamanho senso de humor e me amar pra sempre. Já pensou que lindo se eu chego, digo boa noite e ele já me beija? Beijo de cinema, viu?! Não me venham com esses beijos mixurucas. Meu Deus, pára tudo! Ele gosta da mesma banda que eu. Fomos feito um pro outro, estão vendo? Não é coisa da minha cabeça. E se ele me achar idiota? E se eu gaguejar na hora? Tasco-lhe um beijo e tá tudo resolvido, né? E se ele me achar gorda? Larga de ser idiota criatura, você É gorda, é óbvio que ele vai te achar gorda. Não posso falar com ele, ele vai me odiar, rir de mim e pensar: "nossa, ela achou que tinha alguma chance comigo?". Ele, aquela perfeição de homem, e eu achando que tenho chance. Mas poxa, se eu não tentar, nunca saberei de fato. Vai lá, menina! Até parece que tem treze anos e nunca levou um fora na vida. Foras acontecem, afinal. É tudo uma questão de química e de escolher o parceiro que gerará os melhores filhos. Eu sou dessas que, se vivêssemos na época das cavernas, estaria ferrada pra comer. Eu e meus filhos. Claro, mania besta de gostar desses magrelas. Desde quando magrela consegue caçar alguma comida? No máximo vai aparecer em casa com uma pomba magra. E filhos fortes? Pobrezinhos, vão ser uns fracotes. Mas se tudo der certo, pelo menos as meninas serão magras. Cê viu o que acabou de pensar? Plural! Ainda nem levou o fora ou não e já está planejando filhoS com o cara. Vou pegar uma bebida. Mais uma, aliás. Gente, como é que eu bebi essa cerveja da minha mão tão rápido e nem notei? Bem, ele está no caminho do bar, vou traçar uma estratégia. É só eu passar por ele e "sem querer" encostar nele. Pronto. Aí eu peço desculpas e a gente inicia um papo. Depois tá tudo pronto. Ele é o cara da minha vida, a conversa vai fluir. Vamos começar a noite inteira e só acabar na cama dele. Ou na minha, tanto faz. Meu pai eterno, ferrou! Meu quarto está uma bagunça e eu sai de lingerie bege de casa? É isso mesmo? No dia em que conheço o cara da minha vida, meu quarto tem roupas até o teto e eu estou com aquela calcinha mulamba que broxa qualquer um só de olhar. Não posso ir falar com ele mesmo. Não dá! Posso esperar até a semana que vem. Mas e se eu nunca mais o ver? Alguém me ajuda aqui, gente! Tô sofrendo, é sério. Pareço ser independente, fodona, mas tô aqui insegura como criança. Preciso de cerveja pra me acalmar. Mas ele está no caminho do bar. E se eu encostar nele sem querer? Estou tão idiota que não vou nem pedir desculpas. Ele vai me achar uma grossa sem educação. Mas eu preciso! Vou lá. Coragem, coragem! Como é que se anda? Um pé, depois o outro, devagar. Justo hoje que eu saí de salto. Merda! E se eu cair em cima dele? Bem, dois pontos: ele pode me segurar em seus braços e está tudo feito ou pode me achar uma idiota bêbada. Respira fundo e vai. Um pé, outro pé, um pé, outro pé, sorria. Cheguei no bar. Por que caralhos eu não olhei pra ele na ida? Idiota! Andar olhando pro chão? Coisa feia. Podeira ter tentado uma aproximação, uma troca de olhares daquelas de tirar o fôlego. Dá um gole nesse cerveja logo. Olha, é a mesma que ele está tomando. Bebe mais uns e toma coragem. Vai, rápido. Olhando pra ele. Ele olhou de volta, já pode derreter? Ele é mesmo o homem da minha vida e tem um olhar penetrante, olhos lindos. Sorria, isso. Sorri. É agora! Acalmem-se pensamentos. Só não vai gaguejar!

Ele sorriu de volta e disse oi. Retornei e parei em sua frente:
- Olá, como vai?
- Estou bem. Nunca tinha vindo a esse bar. Primeira vez e já encontro você. Provavelmente voltarei aqui mais vezes.
- Que bom! Fico feliz de saber que gostou do bar.
- E de te encontrar, não esqueça.

O assunto realmente fluiu conforme previsto. Algumas cervejas depois e músicas de trilha sonora e ele finalmente me beijou. Acabamos na minha cama, todas as roupas desarrumadas foram pro chão, juntamente com a lingerie bege que ele parece não ter notado. Ou se notou, teve a educação de não comentar nada. Ou ainda, estava mais preocupado com outra coisa.

Dormimos abraçados. Ele acordou-me com um bom dia e um beijo tímido. Tomamos café juntos. Era esse o início de um belo felizes para sempre. Ele partiu depois do sexo matinal. Ficou de ligar mais tarde e de fato, ligou.

Ainda não era noite, o sol ía se despedindo. Celular tocou, coração saiu pela boca. Era ele falando que já estava com saudade, que não sabia viver sem mim. Saímos a noite. Rimos, dançamos, nos amamos.

Três semanas se passaram e as coisas já não estavam tão bem. Não sei se vocês sabem, mas paixões tem data de validade (ou será que são só as minhas?). Ah, ele me ligava demais. Grudava demais. Me amava demais. Tudo demais, demais, demais. Chamei-o para tomar um café em casa. Ele veio sorrindo e com flores (argh, flores com três semanas de "relacionamento"). Já fui falando, nem peguei as flores que me oferecia. Acabou.

Ele continuou ligando, me amando mais do que nunca, falando que eu era a mulher da vida dele, que não sabia mais viver sem mim, mas poxa, não é culpa minha. Enganei-me pensando que ele era o homem da minha vida, mas não era. Será que é tão difícil entender isso? Querido, desculpa, não é você. É só uma questão de que nossos genes não se cruzaram e não teremos bons filhos. Só isso. Semana que vem farei isso com outro cara, até acertar (se é que um dia vou acertar) o que tem os genes bons para cruzar com os meus. Ah, e claro, esqueci de te falar: você era um chato.