Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Ao mar

Sob o céu nem vida havia.
No obscuro apenas a dança obscena.
Fechei os olhos e ficou o vermelho nu e vazio.

A solidão é um navio procurando seu porto.
Meu porto está logo ali
E não é lá que quero chegar agora.

A dança continua solenemente;
E até convidaram-me a próxima:
Qual a necessidade de dançar quando as pernas estão imóveis?

Mais imóveis que as pernas, está meu coração.
A espera de um navio que talvez não retorne.
Quando nem entre estrelas há vida, qual a necessidade do sangue pulsar?

Observando a dança, de tédio, adormeci.
E tive sonhos que não eram sonhos.
Eram reais na realidade abstrata.

Absorta, eu fitava o mar,
Netuno fitava-me de volta e
Tirando-me a esperança e o pouco de terra morta que me restava, disse:

-Seu navio não volta mais. Saia do mar, aqui não é o seu lugar.
Nem é o navio que espera,
O que te levará para casa.

Danieli Buzzacaro
13 de maio de 2008.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Do amor que não se deve ter

Era um bonito jardim, não um destes estimado e zelado por alguém, mas um destes que nascem e crescem por vontade própria sem pretensão de ser observado. E por isso era belo, em sua simplicidade e leveza.

Muitas flores dividiam aquele espaço de terra, buscando lugar ao sol. Ali havia uma margarida que alguém viu crescer e desabrochar e este alguém criou uma paixão incontrolável por aquela linda flor.

Todos os dias lá estava ele no jardim e ali permanecia por longas horas observando sua margarida, absorvendo seu suave perfume. Porém, um dia notou que a sua flor tão estimada conquistara mais admiradores.

Ficou enfurecido. Os olhos vermelhos transbordando ciúme. Foi para casa decepcionado e na noite fria passou todo o tempo pensando em como fazer a margarida ser sua para sempre.

Noutro dia levantou-se cedo e seguiu para o jardim, lá estava a sua amada esplendorosa, observou-a e num ato inconseqüente e de desmedido egoísmo, apanhou-a e foi-se triunfal para casa. Encheu um copo com água e lá a colocou, deixando-a sob um aparador empoeirado no canto da sala e indo para o trabalho, aliviado.

Pobre margarida, foi retirada da terra antes que pudesse espalhar seu pólen ao vento e existir em outros jardins. Não pode nem ao menos sentir o vento do inverno que impiedoso aproximava-se.

O apanhador, apaixonado e louco, era distraído em sua essência. No seu infinito a margarida ali sob aquele aparador empoeirado seria pra sempre dele, como ele desejara, entretanto não notou que a água dia a dia evaporava, e assim, brevemente a sua amada margarida murcharia e teria suas pétalas alvas tingidas de marrom-poeira do aparador. Tão logo a seiva que a mantinha viva secaria e ela seria uma alegoria morta enfeitando um canto esquecido da casa.

A margarida perder-se-ia no infinito ao lhe sobrar uma única pétala até voltar a não pertencer a ninguém sendo assim escrita a tragédia daquele desavisado apanhador.

Em uma manhã de céu azul, ele acordou e lembrou de ver sua amada, ato que há tempos não fazia. Tinha a certeza de que ela estaria sempre ali a sua disposição. Terrível engano. E estridente foi o grito que foi ouvido nas redondezas quando ele segurou sua amada desfalecida entre os dedos.