Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Não por acaso

Estava descrente. Descrente daquilo que todos chamavam de amor. Talvez ela não soubesse direito o significado daquela palavra. Talvez o mundo a havia concebido para ser descrente de tudo.

Naquela manhã, acordou com as mesmas olheiras de sempre, a noite havia sido quente, de um calor insuportável. Os cabelos estavam despenteados e o pijama amassado. Acordou mecanicamente na mesma hora, com o som estridente de seu despertador. Tomou banho lentamente, sem saber direito o que fazer. Bebeu do café e brincou com o pão. Enrolava-o entre os dedos, como criança brincando de modelar. Se deu conta da hora, estava atrasada, como habitual, vestiu-se e mal penteou os cabelos. Saiu, destrambelhada e derrubando algumas folhas.

No ônibus observava tudo, sem a devida empolgação. Pessoas espremidas, gente mal-humorada e sem luz, quase sem vida. Enquanto olhava para a criança, uma senhora pisou em seu pé, não se desculpou, ela suspirou: “Vai ser um dia daqueles”.

Acabada a viagem matinal diária, chegou à faculdade e entrou na sala tentando não ser notada. Não teve, porém sucesso em sua missão. Culpa daquela maldita cadeira barulhenta. A professora falava com a empolgação de quem repete as mesmas frases marcadas há vinte anos, sem mudar o tom de voz, os cabelos e a expressão.

As palavras não conseguiam entrar em seus ouvidos, fez trejeitos de que ia sair pra fumar um cigarro, a professora a encarou, da ponta da franja que caia nos olhos até o all star sujo. Fora obrigada a mudar de idéia, ajeitou-se na cadeira e abriu um livro. Mergulhou num mar chamado Fernando Pessoa e precisou de um beliscão para responder a chamada.

Assistiu às aulas estranha, o coração batia como se algo fosse acontecer, não sabia o quê e aquilo lhe trazia a velha mania de infância, roer unhas.

Ela não esperava nada de uma quarta-feira, nem ele. Mas ele ainda não entra na estória.

Saiu da aula e dispo-se a ler e-mails, com uma preguiça incalculável, então um cumprimento no Messenger muda o jogo naquele dia.

Cinema marcado. O coração ainda batia do mesmo jeito, mas sem esperanças de um fim de tarde interessante.

Foi quando ele chegou (e é bem aqui que ele entra na estória). Ele tinha o mesmo rosto de que ela se lembrava daquela noite no bar em que conversaram sem compromisso e sem marcar tempo. Havia mudado o cabelo, mas não a timidez, nem o tom de voz.

O filme escolhido era tarde, a segunda opção nem existia, enfim apagaram o último cigarro e entraram no cinema, sem nem saber o que assistiriam.

Clichê não era apenas o filme, mas sim o desenrolar da estória.

Saíram antes do final, corajosos e sem medo das pipocas e andaram pela noite que crescia sem medo da chuva.

Entre um copo e outro de cerveja a conversa crescia, informal e empolgante. Ela sorria, como há tempos não viam. Tinha pretensões além daquela conversa com ele, mas a timidez que guardava em si não deixava outra escolha, ia ficar ali, sentada e só.

Foi quando, ele esqueceu da timidez e em um pedido simples, ela descobriu que o seu desejo era o mesmo que o dele. O lugar sumiu e só escutavam os gritos de gol. Depois, ela corou-se como um caqui.

E quem disse que o destino (coisa que nem ela, nem ele acreditavam) não coloca crença em momentos extraordinários. Ele chegou, sem marcar hora e conseguiu mudar conceitos.

Nenhum dos dois tinha pretensões de gostar e a estória não tem final, ainda, pois ela decidiu que ia deixar acontecer. Ele aceitou.

Danieli Buzzacaro
24/10/2007

2 comentários:

Unknown disse...

Muito legal, Dani.A senhorita realmente sabe como juntar letrinhas, hein. =]
Vou continuar lendo aqui.
Beijo!

Anônimo disse...

"Saíram antes do final, corajosos e sem medo das pipocas e andaram pela noite que crescia sem medo da chuva."

Adorei essa parte

=D

Ahm sim, sobre o seu comentário, basta me chamar que vc sabe que eu ouço, okay?

=***