Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Cheiro de manhã


Eu gosto do cheiro das manhãs. De quando o sol vai nascendo tímido no horizonte, a temperatura vai aumentando devagar - ainda há o vento gelado em doces afagos no cabelo, o céu veste cores variadas e lindas e os pássaros aparecem no céu rompendo o silêncio da madrugada; marcando o início de um novo dia, de um novo ciclo. Do tempo que se repete, da rotina da natureza, o normal do normal.

Depois o cheiro de café ou de shampoo, o cheiro do sono escorrendo pelo ralo do banheiro gelado como a água do banho ou descendo pela garganta com o amargo quente do café. Os cheiros que mudam, pois, a rotina das pessoas não é como a dos pássaros: não é simplesmente acordar e saber para onde ir, ter todo dia a mesma convicção do que fazer.

Tem dias que eu acordo nada. Indiferente e quero da minha rotina um tempo a mais entre o conforto das cobertas, a mente ainda meio desligada, um pé na realidade, outro no mundo dos sonhos: remoendo estes da noite. E sonhos também dão cheiros às manhãs: bons ou ruins, de lembranças, lugares e gentes.

Tem dias que eu acordo com saudade e saudade consegue ser uma emoção tão dúbia: abre sorrisos e enche olhos de lágrimas, enche e aperta corações; dá vontade de ligar, de mandar mensagem, de gritar ao mundo, de mandar áudio falando bem baixinho: “oi, eu com saudade”, mas às vezes, saudade vem acompanhada de orgulho e aí não tem mensagem e tem coração mais apertadinho. E saudade tem um cheiro engraçado, que muda e confunde a gente, meio a meio, como é meio a meio a sensação.

Tem dias que a carência é que acorda primeiro. Me faço cafuné, abraço travesseiro, faço cafuné no gato, sinto abraço na água do chuveiro, preparo um café mais caprichado que o café amargo + pão de quase todos os dias: arrumo uma omelete, uma vitamina, torradinhas com geleia caseira, ovos beneditinos. Mas nem todo dia que a carência acorda, o auto amor acorda junto. Às vezes a carência é tão grande que chega a ser de si mesmo. E esses dias tem cheiro de chá de camomila e flores do campo.

Tem dias de sorriso enorme ao acordar, espreguiça, sente o ar nas mãos, sai ainda sem roupa para a varanda: o vento ainda está gelado, o sol ainda está aparecendo, os pássaros estão acordando -  é o início do ciclo – senta confortavelmente e fica admirando a rotina, o dia, o cheiro de manhã tradicional. Complementa com cheiro de café, que é tomado na varanda acompanhado de cheiro de manhã e do falatório de bom dia dos pássaros.

E hoje, eu sonhei com você e acordei com meio que tudo isso, inclusive o orgulho. Então é sonho que vai seguir dentro, é sonho de rotina íntima, é sonho que não entra no ciclo.

Danieli Buzzacaro
06/07/20

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