Omagio a Eikoh Hosoe, de Cicchine

terça-feira, 19 de maio de 2009

À um amigo que cumpriu seu chamado

Vê como as coisas são. A vida inteira, um sonho pela metade, um minuto de bobeira e lá se vai tudo. Vem a morte com seu cajado e seu chamado certeiro: “Venha, meu filho, seu trabalho na Terra termina aqui, mais uma vez”.


Sem escolhas, o filho então chamado segue, sem saber nem para onde, confuso e em paz. Nós, seres ainda viventes na Terra, nos perguntamos: “Como haveria de ter se findado um trabalho recém iniciado?”.


Ele era médico, recém formado. Por muitos e muitos dias, peguei-me a observar seu trabalho no hospital. Com encantamento nos olhos, um sorriso brotava de meus lábios e um suspiro de satisfação aparecia naturalmente ao vê-lo atender, sobrando amor, a todos os pacientes. Tinha um sorriso grande e como já era por natureza de olhinhos pequenos, estes quase desapareciam ao sorrir.


Sempre que o via, nos corredores da vida – na faculdade ou no hospital – prontamente ele tinha os braços abertos e um sorriso pregado ao rosto. Tinha um abraço doce, que jamais negava ao ver-me.


Era ainda, quando o conheci (e isto data de muito tempo), acadêmico de medicina, com um sonho do tamanho do mundo e um amor inabalável a profissão por ele escolhida. Dizia querer ser pediatra, ao que eu sempre brincava que ele seria o pediatra dos meus filhos todos. Confiava que ele seria o melhor pediatra e que as crinaças estariam em ótimas mãos.


Naquela manhã ele não acordou. Não porque o chamado da morte foi enquanto dormia. Não acordou porque não dormiu. Esteve a cuidar de vidas madrugada a dentro. Sabe-se lá quantas vidas ele salvou naquele que seria seu último plantão. Acabado o trabalho ali, seguiu rumo a cidade onde vivia, provavelmente estava cansado, mas ainda tinha trabalho a fazer. Sem titubear, seguia até a cidade vizinha para seu outro compromisso com outras vidas.


Mas não naquela manhã. O destino já havia previsto que ele não chegaria ao seu outro trabalho. Sua missão estava findada. Talvez por sono, talvez por cansaço, talvez por distração, talvez por mero destino, chocou-se de frente com uma caminhonete. A morte instantâneamente lhe apareceu, fazendo seu chamado.


Pronto, estava acabado. O trabalho, embora recém iniciado formalmente – descontando todos os estágios da faculdade – estava terminado. Ele cumpriu, mesmo contraditóriamente, a sua missão.


Neste dia, o plano espitirual ganhou um novo médico. Fantástico e doce como poucos se viu. Ele foi chamado porque era necessário em algum outro lugar. Deixará um vazio e uma saudade enorme nos corações daqueles que cruzaram seu caminho na Terra, mas estará sempre por perto, cumprindo sua nova missão, cuidando de gentes em algum outro lugar.

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